domingo, 3 de abril de 2011

Almada Negreiros

A Invenção do Dia Claro (1921)


"Mãe! eu não sei nada! Eu não me lembro de nada!
Ah! lembro-me de ter ajudado a levar pedras para as pirâmides do Egipto!
Também me lembro de me ter chamado José, antigamente, com meus irmãos e uma mulher!
Mãe!
Estou a lembrar-me! Tu já foste a menina loira! Eu já fui menino verdadeiro a quem tu davas de mamar! Eu já estive contigo na terceira oleografia!
Lembro-me exactamente! Quando tu me beijavas, o Sol não doía tanto na minha pele!
Mãe!
Estou a lembra-me!
E as tardes quando íamos todos juntos soltar palavras no cais e ver chegar mais laranjas!
Outras vezes juntávamo-nos na praia para nadar melhor do que os outros e deixar o sol queimar quem mais merecesse. Já as laranjas estavam contentes com o que chegasse primeiro! O melhor jovem ganhava a melhor rapariga. Os outros sabiam aquela que tinham ganhado.
Eu tinha ganho a minha.
De uma vez, quando deixávamos o cais, entornou-se o cesto das tangerinas. Foi a alegria! E uma das raparigas pôs-se a cantar o sucedido às tangerinas a rolar para o mar:
Tam
tam-tam
tanque
estanque
tangerina bola
tangerina bóia
tangerina ina
tangerininha
pacote roto
batuque nu
quintal da nora
e o dique
e o Duque
e o aqueduto
do Cuco
Rei Carmim
e tamarindos
e amarelos
de Mahomet
ali
e lá
e acolá
.."

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